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DIVERSIDADE NA TV: a singular batalha por uma tela plural

Por Gabriel Priolli em 11/12/2007
Extraído do Observatório da Imprensa


Um dos muitos aspectos positivos da nova TV pública federal – e que, por si só, já justificaria a resoluta aprovação da medida provisória que a institui – é o debate que ela vem suscitando sobre as relações entre o sistema de televisão implantado no país e a sociedade a que ele serve. Inúmeros grupos sociais, em particular os organizados, discutem intensamente as deficiências da televisão comercial e as limitações da televisão pública existente, apresentando as suas propostas de correção de rumos e as suas demandas específicas.
O movimento negro, por exemplo. Ou as feministas. Nas últimas semanas, dois eventos realizados em São Paulo dedicaram-se a examinar a questão da diversidade na televisão, no primeiro caso a de etnia, no segundo a de gênero. O ciclo de debates "Ações afirmativas: Ações para ampliar a democracia", organizado pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, do governo federal, e pela PUC-SP, analisou o impacto dessas ações na comunicação social. E o ciclo "A mulher e a mídia", do Instituto Patrícia Galvão, pôs em foco o papel da TV pública na expressão da diversidade.
Como expositor nos dois eventos, tive a oportunidade de organizar algumas idéias em torno desse tema central da democracia – a diversidade. Também pude testemunhar, mais uma vez entre outras tantas numa longa carreira de militância, como são complexas as implicações psicossociais e políticas dessa questão, e como é fácil a análise racional perder terreno para o emocionalismo, em seu debate. Séculos de opressão, inconformismo e frustração geram uma formidável panela de pressão que pode explodir facilmente em raiva e vociferação, em prejuízo da análise serena dos fatos e da superação dos problemas pelo diálogo democrático.


Quintal dos EUA
A primeira questão a considerar, no debate sobre a diversidade na TV, é conceitual. De que diversidade estamos falando? Aquela restrita aos conceitos de gênero, etnia e orientação sexual? Ou aquela mais ampla, relativa à multiplicidade de experiências do ser humano, em todas as suas dimensões e em todas as partes do globo – a diversidade cultural? Os grupos militantes, compreensivelmente, priorizam a visão mais restrita, focados que estão na sua missão imediata. Mas é conveniente pensar a questão amplamente, considerando que a diversidade cultural é o grande valor a ser instaurado na televisão brasileira e que as representações de gênero, etnia e outras serão abrangidas por ele, quando o culto ao diverso for sagrado entre as emissoras.
A televisão brasileira, sem a menor dúvida, está a anos-luz da diversidade. Nas emissoras comerciais, a programação cultiva o oposto – a uniformidade –, quase como traço distintivo.


Todas, no fundo, querem oferecer ao público a mesma grade, a que mais se aproxime da Globo, líder de mercado. Todas querem fazer novelas, shows, telejornais; todas querem transmitir futebol, filmes, desenhos animados, programas femininos. As que não oferecem alguns desses gêneros, não o fazem apenas por falta de recursos. Se pudessem, clonariam a grade da Globo com o mesmo empenho com que faz a Record. Uma fórmula de sucesso, na TV comercial, é sempre vista como filão aurífero que se deve garimpar até o esgotamento.
Também contribui muito para a uniformidade da programação o monopólio norte-americano na distribuição de filmes, desenhos e seriados. Da mesma forma como ele controla o mercado de exibição de cinema, domina amplamente as vendas para as emissoras brasileiras, graças ao marketing avassalador, que faz os produtos conhecidos dos brasileiros antes de surgirem por aqui, e às vendas casadas de produtos, que derrubam os preços. Não sobra nada para a televisão da França, Itália, Inglaterra ou de qualquer outro país fazer por aqui. O Brasil é quintal, jardim, garagem e playground da indústria audiovisual dos Estados Unidos.

Política indutiva
Na televisão pública, a situação é melhor, mas está longe do ideal. Há uma preocupação com a diversidade e a percepção de que a sua falta é um déficit democrático do país, mas isso não se traduz automaticamente em políticas universalistas de produção e de aquisição de programas. Os canais públicos têm, certamente, pautas culturais de abrangência muito mais ampla que os canais comerciais, e também exibem muito mais material europeu, asiático ou latino-americano. Mas estão aquém do que os programadores desejariam, em razão dos baixos orçamentos com que operam. A TV pública brasileira não faz co-produções com as suas congêneres de outros países, prática comum em outras regiões, nem prospecta programas regularmente em fontes produtoras incomuns. Quando escapa dos EUA, é para comprar na Europa Ocidental e no Japão.
Daí porque se deve saudar experiências como a do projeto "DOC TV Ibero América", que mobiliza governos, emissoras públicas e produtores independentes de 15 países. Uma inteligente engenharia de produção, proposta pelo Ministério da Cultura do Brasil, permite que os produtores tenham recursos para realizar documentários e que as emissoras públicas os compartilhem, gerando trocas culturais bastante significativas. Da mesma forma, é alentadora a disposição anunciada pela direção da TV Brasil, o novo canal público federal, de cobrir intensamente a realidade política e cultural da América Latina e da África, regiões com as quais o país tem laços étnicos e históricos profundos.

Se há muito por fazer, no tocante à diversidade cultural ampla, na TV comercial ou na pública, há ainda mais a perseguir para a melhor representação de grupos étnicos, de mulheres e de minorias sexuais na tela. As organizações militantes queixam-se de que as suas temáticas não encontram o acolhimento desejável nas pautas dos programas, em particular nos telejornais. Mas ressentem-se, sobretudo, de maior equilíbrio na participação dos diversos grupos nas equipes profissionais da televisão, seja as da frente do vídeo, seja as da retaguarda.
De fato, ainda estamos em terreno privilegiado da "elite branca", aquela apontada pelo ex-governador paulista Cláudio Lembo. A TV ainda mostra pouquíssimos negros e mestiços, se considerada a sua presença na população brasileira. Os afrodescendentes têm visibilidade equivalente à dos orientais, o que é um óbvio falseamento da composição étnica do país. Os índios, por sua vez, inexistem na tela e os homossexuais são quase sempre caricaturas. Há maior equilíbrio apenas na participação de mulheres, mas boa parte das faces femininas no vídeo não são consideradas, por suas pares, efetivamente representativas das aspirações de identidade e autonomia das mulheres.
Na retaguarda, nas equipes técnicas e de produção, também se repete o desequilíbrio observado na tela. E é para enfrentá-lo que os movimentos organizados propõem ações afirmativas, entre elas uma política de cotas igual à utilizada hoje para o preenchimento de vagas em universidades. Ou seja: uma política indutiva, impositiva, para promover mudanças profundas em prazo curto.

Avançar o debate
As questões que essa proposta coloca são inúmeras. Em primeiro lugar, há que considerar se é o caso de impor o equilíbrio na representação de gênero-etnia-orientação sexual, por força de lei, ou de fomentá-lo com políticas de estímulo às emissoras. Em outras palavras: obrigar as emissoras, penalizando-as com punições, ou convencê-las, premiando-as pela conversão à causa?
Vale lembrar que a Constituição federal não obriga os meios de comunicação à diversidade, embora o espírito do artigo 221 seja exatamente esse, ao estabelecer como princípios da produção e da programação do rádio e da TV a "promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação" (inciso II) e a "regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei" (inciso III). Se obedecidos esses preceitos, haveria um aumento notável da diversidade na tela.
Mas, avançando nas questões, o equilíbrio de representação que se busca deve ser matemático, considerado o perfil da população brasileira, ou admite-se alguma flexibilidade? O programador de TV deve ser livre para escolher seu elenco, seus produtores e seus técnicos por critérios de competência individual, ou deve obedecer a cotas para fazê-lo? Quais serão os critérios de aplicação de uma política de cotas na televisão? Como serão definidos e por quem? Essa política deve ser temporária ou permanente? E, acima de tudo: como os seus critérios interagirão com a criação artística e a informação jornalística, sem cerceá-las?
A televisão – em uníssono, privada ou pública – teme perder a liberdade de ação. Teme defrontar-se com uma situação em que montar uma equipe de produção, um elenco de novela, um time de apresentadores ou uma grade de programação exija uma complexíssima matriz combinatória, para acomodar todas as demandas de representação que se apresentam atualmente. Teme ser forçada a privilegiar o equilíbrio de representação em vez da qualificação individual de cada aspirante a um posto profissional.
Responder às questões acima, portanto, é imperioso, para fazer avançar o debate sobre a diversidade na TV. Os grupos organizados têm sido competentes em levantar o problema, mas devem evoluir para as proposições mais objetivas. E devem manter a pressão sobre as emissoras, seus organismos de gestão e suas entidades representativas, para trazê-las à discussão conseqüente e à disposição de mudar.
Será uma batalha difícil, mas vale a pena lutá-la.

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